terça-feira, 27 de março de 2012

Pablo Neruda

 Pablo Neruda e Matilde Urrutia



Cada dia Matilde
              
Hoje a ti: és esbelta
como o corpo do Chile, e delicada
como uma flor de anis,
e em cada ramo guardas testemunho
de nossas indeléveis primaveras:
Que dia é hoje? O teu.
E é o ontem amanhã, não sucedeu,
nenhum dia se foi de tuas mãos:
guardas o sol, a terra, as violetas
em tua breve sombra quando dormes.
E assim cada manhã
presenteias-me a vida.


 

terça-feira, 20 de março de 2012

Carlos Drummond de Andrade

  Drummond


Poema da necessidade

É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.

É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.

É preciso viver com os homens
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar o fim do mundo.


  Agradecimento especial ao amigo Ricardo Ramos pelo envio do poema.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Florbela Espanca

Fanatismo

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
"Ah!  Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."

Florbela Espanca

domingo, 4 de março de 2012

Ferreira Gullar

Gullar



Estranheza do Mundo

Olho a árvore e indago:
está aí para quê?
O mundo é sem sentido
quanto mais vasto é.
Esta pedra esta folha
este mar sem tamanho
fecham-se em si, me
repelem.
Pervago em um mundo estranho.
Mas em meio à estranheza
do mundo, descubro
uma nova beleza
com que me deslumbro:
é teu doce sorriso
é tua pele macia
são teus olhos brilhando
é essa tua alegria.
Olho a árvore e já
não pergunto "para quê"?
A estranheza do mundo
se dissipa em você.


Ferreira Gullar